sábado, 8 de janeiro de 2011

MÓDULO II: HISTÓRIA DA CAPOEIRA: PERÍODO DE PROIBIÇÃO



A primeira proibição oficial à prática da capoeira aparece no Código Criminal do Império, de 1830, no capítulo IX, artigo 295, enquadrando-a entre vadiagem e mendicância.

Mais tarde, no dia 11 de outubro de 1890, foi criado o Decreto-lei número 847, no Código Penal da República, onde o capítulo XIII alude a capoeira como forma objetiva de vadiagem e estabelece, assim, temporariamente o fim da prática da Capoeira. Todavia, a maior repressão a Capoeira veio em 1893, cujo Código Penal de então autorizava o Governo a construir uma colônia de correção, na Fazenda Bela Vista, ou em qualquer outro lugar, destinada aos vadios e capoeiristas, os quais seriam levados para lá a fim de executarem trabalhos forçados. Vale ressaltar que o motivo que levou o Governo a proibição da prática da Capoeira foram as contínuas escaramuças entre bandos rivais.

Já no Século XIX, os capoeiras passaram a viver em bandos, denominados de maltas (sendo os Guaiamuns e os Nagôas os mais importantes) - , que tiveram uma atuação relevante em fatos históricos como contra a Revolta dos Mercenários (soldados estrangeiros contratados para a Guerra do Paraguai, que rebelaram-se e foram rechaçados pelos capoeiras). Ora, os capoeiras que, até então, foram para a guerra como marginais, voltaram, nada mais nada menos, como heróis nacionais.

A fase áurea de prática e proibição da Capoeira foi por volta de 1920. Clandestina e marginalizada, permaneceu assim até o ano de 1930.

O desenvolvimento da Capoeira, como mais ou menos a conhecemos hoje, durou aproximadamente uns 300 anos, pois a única referência que se tem sobre o tema data de 1624, durante as Invasões Holandesas, quando em meio aquela barafunda, índios e escravos aproveitavam-se para empreender fuga pela mata adentro.

A primeira reação do escravo foi fugir para o mato, como dissemos acima, mas ao contrário do índio, não permaneceu disperso, ou seja, reuniu-se em grupos e passou a lutar pela sobrevivência.

Adiantando-se na história, encontra-se a figura do Regente Padre Feijó. O Padre Feijó, blasfemando contra seu próprio credo, costumava mandar castigar capoeiristas arbitrariamente, se bem que toda repressão implica no fortalecimento do ato praticado e, assim, o reverendo senhor não encontrou nenhuma solução quanto a questão daquela, diga-se de passagem, luta de negros. Todavia, adiantando-se ainda outra vez no tempo, pode-se afirmar que ninguém ofereceu perseguição mais feroz e tenaz contra a capoeira e seus praticantes quanto a figura do Dr. Sampaio Ferraz, pois que no exercício de suas funções pôde prender e mandar para a Ilha de Fernando de Noronha todos os capoeiristas que lhe caiam nas mãos, inclusive, aplicando-lhes ferozes castigos.

Já por último, não se pode, no entanto, esquecer o Major Vidigal, um diabo de homem, que estava sempre em todos os lugares e aplicava aos capoeiristas castigos tais como a ceia dos camarões, promovendo assim uma acirrada repressão a arte de capoeirar.

Não é redundância dizer que quanto mais se perseguia, maiores lutadores nasciam e, ao longo de toda aquela batalha, a capoeira venceu a repressão e tornou-se o estandarte de luta do opressor contra o desarmado oprimido, ou seja, o negro escravo e o capoeirista.

À guisa de informação, destaca-se um fato histórico de relevância nesta pesquisa: o escravo não podia portar armar de fogo de espécie alguma, nem mesmo se tivesse a serviço da milícia imperial. Ora, tal fato contribuiu para o negro cativo improvisasse suas próprias ferramentas de luta, feitas, claro, com materiais encontrados no meio em que viviam.

O negro atacou em todas as frentes em busca de algo chamado Liberdade. Rebeliões, fugas, tocaias davam-se da noite para o dia, porém o mais amplo movimento de resistência negra deu-se de uma reunião de fugitivos e daí nasceu o Quilombo do Palmares, o maior foco de resistência a milícia e a burguesia da época.

A despeito da superioridade do Governo, nunca se pôde evitar a existência de certos territórios, reconhecidos como redutos de pretos, tidos como lugares temidos e, diga-se de passagem, até temidos pela autoridade vigente. Esses lugares eram dominados pela raça que um dia fora livre e agora via-se obrigada a embrenhar-se selva adentro, pois a sanha racista do branco civilizado transformara, simplesmente, um ser humano de pele escura num escravo.

Com a queda do Império e a instauração da República, embora persistisse o preconceito, todo menino branco queria aprender aquele misto de dança e luta. Daí surgiu o status do mulato que criava escola de capoeira em praças, escolas e até nos quilombos, onde todo o mundo queria adentrar e aprender a jogar com algum negro raçudo, que não temia nem mesmo uma faca de ticum, pois que se defenderia dela, como diz o cancioneiro popular, arrastando-se feito cobra pelo chão.

A Capoeira foi a maior invenção da raça negra no Brasil, disso não se pode duvidar, pois desde o período da escravatura até a liberdade total, o negro, pouquíssimas vezes, teve acesso à escola e a certos lugares, apenas reservados aos privilegiados. Mesmo forro, o negro via-se impossibilitado de atuar no campo do comércio, ou mesmo da agricultura, pois tudo sempre fora um monopólio do colonizador, dos senhores de engenho e dos cafeicultores.

Diante do que se colocou acima, sobrou para esse elemento humano, de pele escura, o imperativo de ascender cultural e economicamente no seu país, pois que desejava ser visto como gente, com uma dignidade que, por quase trezentos anos, foi molestada.

A Igreja, mesmo pregando o amor fraterno, politicamente estava ligada ao Estado, e seus dignitários faziam vista grossa àquela hedionda situação. Ora, quantos sacerdotes dispunham de escravos em suas paróquias e nem sequer lembravam que aquelas criaturas eram também imagem e semelhança do Criador!

Coube, então, ao negro a vontade e a força para reagir e tornar-se valentão, muitas vezes lutando como um animal que se via acuado diante do dilema de lutar ou morrer. Ora, a reação mais imediata que o negro teve que usar, como forma de reação e busca da própria liberdade, foi a Capoeira.

O fato mais importante dessa reação negra à opressão branca foi que os pretos, aos poucos, miscigenaram-se e o mulato se impôs, criou um lugar de destaque na sociedade, passou a ser respeitado e deixou de ser visto como anti-humano. Reconhecido agora como ente real, com um valor cultural indiscutível, o negro fez com que o Brasil, pouco a pouco, admirasse uma arte marcial tipicamente nossa, incorporada a cultura criada pelo instinto de sobrevivência, a qual orgulhosamente se chama hoje de Capoeira.

Reprimido pelo chicote dos feitores e capitães-do-mato, o Capoeira, no passado, nada mais era que um homem, geralmente um negro, que vadiava na sua expressão de dor, ânsia, angústia e ódio. A fúria incessante do branco – algo, diga-se desumano – contra os negros foi uma atitude em vão. Fez apenas com que aqueles seres de pele escura como uma noite sem luar, organizassem-se bem a seu modo e usando a sua força muscular, sua flexibilidade, sua rapidez nos movimentos resultasse num educado amálgama de recursos próprios de defesa, agressão e, em alguns casos, de simples divertimento ou, usando a gíria empregada até hoje, em pura vadiagem. Enquanto ciência, compete a História ser imparcial naquilo que demonstra; assim sendo, a gênese da capoeiragem, para a Civilização Brasileira foi, incontestemente, dissertado acima.

Melo Moraís afirma que, com toda a repressão, a capoeira entrou em nos costumes nacionais quando seus praticantes tornaram-se profissionais como quaisquer outros. Vale ressaltar que estes profissionais eram reconhecidos, à primeira vista, pela atitude singular do corpo, ou seja o andar, pelas calças de boca larga que usavam, as quais cobria toda a parte anterior do pé etc. Há também quem afirme que usavam uma argola de ouro na orelha esquerda como símbolo de valentia, um lenço de seda atado ao pescoço, a fim de livrar-se dos golpes de navalha do inimigo, e uma série de atitudes, às vezes, até inverossímeis, que aos olhos de muitos em nada esclarece a origem desta singular, porém imprescindível luta marcial.

Conclusão: aquele simples folguedo tornou-se a mania nacional e muitos puristas quiseram livrá-la da negritude à medida que incentivavam a juventude a praticá-la. Ora, o tiro saiu pela culatra, pois o jovem de pele alva não encontrou como Mestre um branco e sim um negro, muitas vezes de carapinha já não tão escura mas, acima de tudo, com agilidade, força, fé e, apesar do pesares, extremamente expansivo, mesmo portando nas costas as marcas das vergastadas que outrora levara sem causa aparente. Sociologicamente pode-se dizer que a Capoeira é, sem dúvida, mais um capítulo a ser somado à história dos pretos trazidos à força para as terras do Brasil.

Os negros, extremamente alegres e expansivos, adoravam música, festas e danças. Ora, aqui chegando, mesmo em meio a tanto sofrimento, sentiam necessidade de extravasar seu natural veio artístico e, assim, inventaram, não só seus próprios folguedos, mas uma singular linha melódica, cujas raízes lhes ensinaram seus ancestrais, criando instrumentos que acompanhavam toda aquela alegria pueril e que, na verdade, causava por demais inveja aos carrancudos e sempre mau humorados europeus. Ao contrário dos seus senhores, o elemento africano não sabia teoria musical, portanto tudo era original na criação negra.

Devido ao grau primitivo e simples da cultura de seus inventores, os instrumentos eram feitos com o material encontrado no próprio meio onde viviam e eram preferencialmente de percussão. Por serem de fácil confecção, emitiam sons desafinados, não reproduzindo com presteza as sete notas musicais, mas aquele barulho, a que ele chamavam de batuque, foi-se cadenciando e, aos poucos, surgiu uma grande variedade de tons. Foram esses tons que comprovaram e, ainda atualmente comprovam, como o negro sempre foi rico em musicalidade. Mais tarde, aqueles tons e acordes tornaram-se sons uniformes de um conjunto perfeito, ao qual, muito tempo depois, passou-se a chamar-se bateria.

À medida que evoluíam as manifestações artísticas da raça negra, alastrava-se também sua maior criação, a Capoeira.

A Capoeira alastrou-se, principalmente, no Rio de Janeiro, até então a Capital da Corte, pois sabe-se que a nação Brasileira nasceu monarquista e não republicana. É óbvio que não se quer cometer a heresia de dizer que foi apenas na capital do Império que havia capoeira, mas em todos os lugares onde a concentração de negros era grande, lá estava aquela arte. A Capoeira, claro, já existia na Bahia, mas lá não desenvolveu-se em caráter revanchista, ou seja, o negro baiano não usou esse tipo de luta para duelo com seus algozes, embora tenha havido capoeiras célebres e valentes. Mas por quê, no Rio de Janeiro, ela expandiu-se tanto e tão extraordinariamente?

Foi no Rio que as escolas de capoeira multiplicaram-se devido, primeiro, ao fato de existirem professores que davam aula, em praças públicas, propiciando depois o surgimento de escolas ou grupos, cada qual com seus próprios nomes. À guisa de informação, aqueles grupos, praticantes de capoeira, eram denominados de maltas. As maltas eram, geralmente, compostas de africanos ou mestiços – estes últimos representados por alfaiates ou charuteiros.

Os capoeiras eram, de pronto, reconhecidos pela maneira usar o chapéu de palha, ou feltro, com as abas viradas de acordo com a convenção. Nos idos de 1857, ou a fase negra, duas grandes famílias de Capoeiras dominavam por completo o território do Rio de Janeiro: os Guaiamuns e os Nagôas.

Os primeiros agregavam-se em grupos conhecidos por São Francisco, Santa Rita, Ouro Preto, Marinha, São Domingos de Gusmão, além de ter vários sub-grupos e, à maneira de um escudo, distinguiam-se por usarem a cor vermelha. Os segundos eram formados por grupos de Santa Luzia, São José, Lapa, Santana, Moura, Bolinha Preta e tinha também vários outros sub-grupos, sendo que sua cor era o branco.

Os Guaiamuns tinham como chefe Leonardo Bonaparte, enquanto os Nagôas eram chefiados pelo famoso Manduca da Praia.

É interessante notar que a Capoeira, em cada concentração de escravos brasileiros, traçou sua própria direção, quer seja por força de fatores regionais, quer seja em oposição ao caráter racial ou sob a rígida e violenta campanha de extermínio que lhes moveram as autoridades. Ela sempre descobriu a fórmula nova para desenvolver-se mais, sem nunca perder sua forma original. É, porém, com o aparecimento do mulato que a Capoeira deixa, por inteiro, seu lado lúdico e assume o fórum de luta, pois o negro, embora audaz e corajoso, apenas reagia por sobrevivência, enquanto que o mulato tinha o temperamento impulsivo: enfrentava o inimigo na hora, sem deixar nada para depois.

A Capoeira brasileira pode ser dividida em duas fases: a primeira, quando ela consistia-se numa arma do fraco contra o forte; a segunda: aquela do elemento escravizado (liberto ou não).

Reconhecida mais tarde como classe, ou sub-classe, aplaudida pelo povo, aceita como entidade pelo governo, a Capoeira passou a escalar novos degraus na história de sua ascensão. Alastrou-se da camada social mais baixa indo até a elite sócio-politicamente instalada. O Capoeira chegou mesmo a vestir a farda dos batalhões da Guarda Nacional, aumentando assim seu prestígio e poder.

No começo do século XIX, a Capoeira veio a conhecer o apogeu da glória, no entanto, quase beira o extermínio ao final desta centúria. Pode-se afirmar que, então, os capoeiras conheceram o poder da fúria de seus inimigos, mas a ela contra atacaram sem nem mesmo deixar de fora o próprio chefe de polícia.

Em resumo histórico, do que foi escrito acima, segue-se que a 10 de maio de 1808, Dom João criou a Intendência da Polícia Civil, órgão restrito para combater desordeiros, especialmente os negros fujões e praticantes de uma estranha, mas violenta dança. O Príncipe Regente criou também, aos 13 de maio do mesmo ano, a Polícia Militar, composta de três Companhias de Infantaria e uma de Cavalaria. Ressalte-se que tanto para a polícia do Regente, quanto para o major Vidigal, o inimigo número um era o Capoeira e, diante desse, não havia quem não recuasse.

A tentativa de se eliminar de vez com o Capoeira, sem cometer a menor violência e sequer prender um cidadão, deu-se durante o Segundo Reinado e chamou-se Guerra do Paraguai.

Sua Majestade, Dom Pedro II, a conselho de seus ministros, convocou todos os Capoeiras e os colocou na linha de frente da Infantaria. Seria, claro, um genocídio, como o foi a própria guerra contra Solano Lopez. Mas a sorte sorriu para aqueles que, à força, engolfaram-se nos batalhões imperiais: venceram todas as batalhas, isto sem grandes perdas, e retornaram à pátria agora como verdadeiros heróis!

Depois da Guerra, o que fazer com tanta mão-de-obra ociosa? Isto era a dor de cabeça das autoridades constituídas da época. Ora, muito simples: o Capoeira incorporou-se à sociedade agora como um cidadão e muitos permaneceram engajados nas tropas do Imperador.

Destarte, podemos concluir que: desde 1664, quando começou a ser falada nos pleitos contra o Quilombo dos Palmares, até os fins do Segundo Reinado, a Capoeira esteve à beira da extinção por diversas vezes, mas sempre reerguendo-se.

Com o advento da República, continuaram as perseguições, como já foi citado acima e até a deposição do presidente Washington Luís, em 1930, a luta estava terminantemente proibida. Foi apenas com o advento do Estado Novo que a prática da Capoeira começou a ser vista com outros olhos, isto devido a uma apresentação que um certo senhor Manuel do Reis Machado fez para o então deputado Simões Filho, fundador do jornal A Tarde.


Fonte: Resumo Histórico da Capoeira, Mestre Traíra (Cícero Pereira da Silva Filho)













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