sábado, 8 de janeiro de 2011

MÓDULO IV: ORIGENS DA CAPOEIRA – SIGNIFICADO DO TERMO



Falar de capoeira não é tão fácil quanto se imagina. Isto se dá em face da escassez de documentação existente. Tal lacuna deve-se, particularmente, a queima dos arquivos sobre a escravidão comandada pelo Sr. Ruy Barbosa, então Ministro da Fazenda do Governo Provisório, através da Circular n º 29, de 13 de maio de 1891. Assim a cultura negra no Brasil perdeu o referencial histórico com o qual haveria de esclarecer sua parcela de contribuição na gênese da Civilização Brasileira.

Quanto a matéria deste trabalho, a Capoeira, pode-se afirmar que há várias teses existentes sobre a sua origem. Principiando pelo nome, querem uns que seja de origem indígena, outros de origem africana, haja vista o predomínio dos negros no desenrolar da história do Brasil, todavia eis o que registra o dicionário sobre o sentido lato do termo: Cap. Jogo atlético, constituído por um sistema de ataque e defesa, de caráter individual e origem folclórica genuinamente brasileira, surgido entre os escravos bantos procedentes de Angola no Brasil colônia, e que, apesar de intensamente perseguido até as primeiras décadas do séc. XX, sobreviveu à repressão e hoje se amplia e se institucionaliza como prática desportiva regulamentada.

Nas narrações do livro A Arte da Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil (1595), do padre José de Anchieta, há referencias de que os índios Tupi-Guaranis divertiam-se jogando capoeira. Guilherme de Almeida, crítico literário e poeta, no seu trabalho Música no Brasil, afirma ser a capoeira uma criação indígena. Partindo dessas afirmações, conclui-se que, deveras, o termo capoeira é um vocábulo tupi-guarani que significa terreno em que o mato foi roçado e/ou queimado para cultivo da terra ou para outro fim, ou simplesmente, mato que nasceu nas derrubadas de mata virgem.

Mas, afinas de contas, o que é Capoeira?

Poder-se-ia dizer que é uma pequena perdiz de vôo rasteiro, de pés curtos, corpo cheio, listado de vermelho escuro, cauda curta e que habita todas as matas. Ou que seja uma grande gaiola onde se transportava prisioneiros, ou também víveres. Ou ainda, a essência da herança bantu do N’golo, ritual de passagem a vida adulta, no qual as jovens eram disputadas entre os guerreiros das tribos. No N’golo, quem melhor se sobressai-se, cabia o direito de escolher a esposa sem o pagamento do dote matrimonial.

Na verdade, abstraindo-se do real significado do termo, pode-se dissertar que Capoeira é um jogo atlético, de destreza, muito valioso, que foi criado em razão de uma causa justa: a libertação de um povo sofrido, oprimido pelo chicote dos senhores de engenho.

O eminente etnógrafo Waldeloir Rêgo conta que o vocábulo Capoeira foi registrado pela primeira vez em 1712, no Vocabulário Português e Latino, de Rafael Bluteau e, por volta de 1813, no Dicionário da Língua Portuguesa. Nos idos de 1880, José de Alencar e Macedo Soares propunham que o vocábulo vinha do tupi-guarani caa-apuam-era, ilha de mato cortado, enquanto que Beaurepaire propunha simplesmente o guarani caá-puera, mato miúdo que nasceu no lugar de mato virgem, que foi cortado.

Quanto ao termo, no sentido do jogo de capoeira, as suposições são as mais variadas por se dizer que o negro fujão caiu na capoeira, ou que o escravo foragido procurava a capoeira mato ralo onde poderia movimentar-se com mais facilidade para libertar-se do capitão-do-mato.

A Capoeira tem sido uma das manifestações culturais brasileiras mais estudadas e debatidas, quer seja como forma de luta, dança ou mesmo puro folclore e as abordagens vão das mais simples as mais complexas. Simples se se argumenta o seu aspecto puramente folclórico, complexa se vista pela ótica sociológica, pois que pretende ser a ponta de lança de uma resistência heróica do elemento africano para sobreviver as atrocidades da escravidão.

Antes de ser traçada pela pena dos literatos e receber o status de expressão cultural, a Capoeira correu décadas no labor não distinto dos escrivãos da polícia, quando sofria o estigma do crime e da repressão.

Como já foi citado acima, e à guisa de complemento, consta que a 10 de maio de 1808, Paulo Fernandes Viana é nomeado, por Dom João VI, para dirigir a Intendência de Polícia Civil, enquanto que em seguida, a 13 de maio, foi criada a Polícia Militar, cujo comando coube ao coronel José Maria Rabelo e para auxiliá-lo, no comando das milícias, foi designado o Major Nunes Vidigal, que de pronto desfechou a primeira ofensiva contra a capoeiragem.

Com o advento de República e a crescente onda de capoeiristas que saqueavam, espancavam policiais e mesmos cidadãos civis, principalmente na então Capital do país, o Rio de Janeiro, o Marechal Manuel Deodoro da Fonseca dispara sua primeira ofensiva a Capoeira ao nomear para Chefe de Segurança o Sr. Sampaio Ferraz e ao enfaixar no Código Penal Brasileiro, no capítulo 13, a Lei n º 847, de 11 de outubro de 1890, cujos artigos 399,400, 401, 402, 403 e 404, estabeleciam:

(*) Artigo 399. Deixar de exercitar proffissão,officio ou qualquer mister em que ganhe a vida, não possuindo meio de subsistência e domicilio certo em que habite; prover a subsistência por meio de ocupação proibida por lei, manifestamente offensiva da moral e dos bons costumes:

Pena – de prisão cellular por quinze a trinta dias.

1º Pela mesma sentença que condemnar o infractor como vadio, ou vagabundo, será elle obrigado a assignar termo de tomar ocupação dentro de 15 dias, contados do cumprimento da pena.

2º Os Maiores de 14 annos, serão recolhidos a estabelecimentos industriaes, onde poderão ser conservados até a idade de 21 annos.

Artigo 400. Si o termo for quebrado, o que importará reincidência, o infractor será recolhido, por um a três annos, a colônias penaes que se fundarem em ilhas marítimas, ou nas fronteiras de território nacional, podendo para esse fim ser aproveitados os presídios militares existentes.

Paragrapho único. Si o infractor for estrangeiro, será deportado.

Artigo 401. A pena imposta aos infractores, a que se referem os artigos precedentes ficará extincta, si o condemnado provar superveniente acquisição de renda bastante para sua subsistência; e suspensa, si apresenta fiador idoneo que para elle se obrigue.

Paragrapho único. A sentença que, a requerimento o fiador, julgar quebrada a fiança, tornará effectiva a condemnação suspensa por virtude della.

Artigo 402. Fazer nas ruas e praças publicas exercícios de agilidade e destreza corporal, conhecidos pela denominação capoeiragem; andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor ou algum mal:

Pena – de prisão celular de dous mezes a seis mezes.

Paragrapho único. É considerado circumstância aggravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta.

Aos chefes, ou cabeças, se imporá a pena em dobro.

Artigo 403. No caso de reincidência, será applicada ao capoeira, o gráo máximo, a pena do art. 400

Paragrapho único. Si for estrangeiro, será deportado depois de cumprida a pena.

Artigo 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular, perturbar a ordem, a tranquillidade ou segurança pública, ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas comminadas para taes crimes.

(*)Ortografia original da época.

Deixando de lado o aspecto legal, encontra-se a história da Capoeira dividida em três períodos:

Período de Escravidão – a Capoeira, uma forma de luta, teria se disfarçado em dança para iludir e contornar a proibição de sua prática por parte dos feitores e senhores de engenho.

Período de Marginalidade – após a abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888, ex-escravos capoeiristas não teriam encontrado lugar na sociedade e caíram na marginalidade, levando consigo a Capoeira, até então proibida.

Período das Academias – já na década de 30, foi revogada a lei que proibia sua prática pelo presidente Getúlio Vargas. Abriram-se as primeiras academias em Salvador. A Capoeira saiu das ruas, da marginalidade e começou a ser ensinada e praticada em recinto fechado.

A primeira academia de Capoeira a ser registrada no Brasil foi a de Manoel dos Reis Machado, na Roça do Lobo, Rua Bananal, n º primeira pri 4, Tororó e depois no Terreiro de Jesus, Rua das Laranjeiras, n º 1, Térreo (depois primeiro andar), no Maciel de Cima, cujo o nome era recebeu Curso de Educação Physica e recebeu o processo de registro de n º 305/1937/AP/NCL, assinado pelo Dr. Clemente Guimarães, então Inspetor Técnico do Ensino Secundário Profissional, no dia 09 de julho de 1937.

No dia 23 de julho de 1953, o presidente Getúlio Vargas libera oficialmente a Capoeira como sendo o único esporte genuinamente brasileiro.

Em 26 de dezembro de 1972, a Capoeira foi oficializada pela Confederação Brasileira de Pugilismo, através de seu Departamento de Capoeira, e em seguida o processo foi homologado pelo Conselho Nacional de Desportos (CND), entrando em vigor no dia 01 de janeiro de 1973.

Após mais de quatrocentos anos de proibição e perseguições, o jogo de Capoeira chega aos nosso dias como um conteúdo artístico, filosófico, cultural e social herdado do elemento africano, que ao chegar em terras brasileiras, apesar da condição de cativo, contribuiu indiscutivelmente para a formação da raça brasileira.

A Capoeira é a única arte marcial que utiliza instrumentos musicais para cadenciar e animar os seus atletas à medida que se desenrola a contenda, também é hoje praticada em todo o território nacional, assim como em quase todos os países da Europa, partes da Ásia, África e Oriente Médio.

Fonte: Resumo Histórico da Capoeira, Mestre Traíra (Cícero Pereira da Silva Filho)

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