sábado, 8 de janeiro de 2011

MÓDULO III: O QUILOMBO DOS PALMARES



Os Quilombos foram, sobretudo, uma reação coletiva dos negros africanos contra o elemento dominador branco. Instalaram-se por toda parte onde imperava a escravidão, ou seja, todo o Brasil colônia.

Segundo Nei Lopes, da Fundação Cultural Palmares, a organização em kilombo – mistura de arraial militar, núcleo habitacional e comercial, supratribal e supraétnico (comum na Angola daquele tempo) – se deu quando escravos de um grande engenho da Capitania de Pernambuco, em fins do século XVI, depois de uma sangrenta rebelião, refugiaram-se na Serra da Barriga, numa zona em que as palmeiras abundavam, sendo por isso conhecida como Palmares, a qual pertence atualmente ao Estado de Alagoas.

Quilombos, dentro do modelo angolano, afloraram noutras partes da América, onde eram chamados de Cumbe ou Palanque. No Brasil, o primeiro quilombo que se tem notícia surgiu em Pernambuco, em 1558, e chamou-se Cumbé, porém a Confederação de Palmares, nascida por volta de 1590, transformou-se num real perigo à Metrópole em virtude de sua poderosa organização. Se no princípio, negros fujões construíram, às pressas, barracos, quase sempre cobertos de palha, numa região de difícil acesso, com o tempo aquela desorganização inicial cedeu a estruturação organizacional do reduto. À força da necessidade de sobrevivência, negros palmarinos acorriam a saltear, às vezes, os engenhos vizinhos, mas a essa prática seguiu-se o desenvolvimento de uma agricultura que, para os padrões locais e da época, era extremamente avançada. Plantava-se batata e legumes, cana-de-açúcar, feijão, milho e mandioca; fabricava-se artefatos de palha, vinho e manteiga; criava-se porcos e galinhas e, sendo necessária à defesa e subsistência do quilombo, desenvolveu-se uma organizada atividade metalúrgica.

As guerras ocorridas com a invasão holandesa a Pernambuco, em 1630, motivou a fuga maçica de gente, que veio engrossar a população de Palmares. Por essa época, a Confederação já comportava cerca de 3.000 aquilombados.

As investidas militares a Palmares, tanto de portugueses quanto de holandeses, somaram-se 66 e encontram-se, segundo Ivan Alves Filho, eminente historiador dos conflitos bélicos palmarinos, divididas em quatro fases: a primeira, de 1596 a 1630, consta de ataques a quatro ou cinco aldeamentos; a segunda, de 1631 a 1654, quando da ocupação holandesa a Pernambuco, consta de investidas tendo como foco a cidade de Macacos, principal reduto palmarino; a terceira, de 1655 a 1694, consta de cruentas batalhas onde ocorre a rendição de Macacos; e a quarta, quando da morte de Zumbi (1695) e de seus sucessores Camuanga (desaparecido em 1699) e Mouza do Palmar (1716). Ainda em 1725 encontravam-se tropas militares na Serra da Barriga e a ocupação final da região dar-se-ia apenas em 1736.

Palmares teve várias lideranças durante sua longa existência, mas apenas duas delas, as de Ganga-Zumba e Zumbi, merecem papel de destaque nessa epopéia pela liberdade.

Palmares encontrava-se socialmente organizado e estruturado, em 1655, quando Zumbi nasceu. Ele era filho de Sabina, irmão de Ganga-Zumba, então chefe do Quilombo. No entanto, récem nascido Zumbi foi capturado quando uma coluna comandada por Brás da Rocha Cardoso conseguiu aprisionar alguns negros palmarinos. A criança capturada foi entregue a um importante clã de Alagoas, a família Lins, a qual tinha financiado aquela expedição ao quilombo. Os Lins, por sua vez, deram o menino como presente ao pároco de Porto Calvo, padre Antonio Melo.

O padre Melo encarregou-se da educação do menino. Batizou-o com o nome de Francisco, ensinou-lhe a ler e, aos dez anos, investiu-o com coroinha. Com o tempo, Francisco provou ao pároco sua inteligência: aprendeu o latim e dominava corretamente a língua portuguesa. A influência da Igreja não arrefeceu, no entanto, o espírito guerreiro de Zumbi. Em 1670, numa madrugada fugiu para Palmares e juntou-se novamente ao seu povo.

O retorno ao Quilombo deu-se no período de paz, justamente devido a presença holandesa em Pernambuco, quando os portugueses estavam mais preocupados em expulsar os invasores do que investir contra Palmares. Com a vitória portuguesa, reintensificaram-se as expedições com a finalidade de aprisionar e dar cabo dos quilombolas.

Entre vitórias e derrotas, o líder Ganga-Zumba decide assinar um tratado de paz com a Coroa Portuguesa. Zumbi, que já tinha um papel de destaque na organização sócio-política de Palmares, opôs-se ao tratado por três motivos: primeiro, a paz, segundo ele, só aconteceria com a criação de uma sociedade livre e independente; segundo, o tratado não assegurava a liberdade aos negros brasileiros; terceiro, o tratado pretendia dividir os negros, em vez de garantir-lhes a liberdade.

Apesar da oposição, o tratado foi assinado em 5 de novembro de 1678 por Ganga-Zumba, na cidade do Recife e continha os seguintes termos: 1º) os pretos nascidos em Palmares eram livres; 2º) os que aceitassem a paz, receberiam terras para viver livres; 3º) ficava liberado e legalizado, o comércio entre negros e povoados; 4º) como quaisquer outros, os negros que aceitassem a paz passariam a vassalos da Coroa Portuguesa.

A insurreição de Zumbi foi quase imediata. Aliando-se aos chefes revoltados de outros mocambos, Zumbi marchou sobre Macacos - Serra da Barriga - e destituiu Ganga-Zumba da liderança político-militar do Quilombo dos Palmares. Ganga-Zumba deixa então Palmares e refugia-se com os seus no arraial de Cucaú, próximo ao litoral, onde morre envenenado em 1680.

A frente do governo palmarino, Zumbi decidiu combater a metrópole subordinando toda a estrutura social às exigências de guerra. À medida que deslocava mocambos para outros pontos, aumentava também os postos de observação e vigília para a orla da mata. Após a infiltração de espiões nas cidades e engenhos, realizou investidas nessas localidades conseguindo munições e armas, com as quais reforçou o arsenal bélico da capital de Palmares, Macacos. Decretou a lei marcial: qualquer desertor do Quilombo estaria condenado a pena capital por decapitação. Zumbi resistiu aos ataques portugueses, retribuindo com iguais incursões aos povoados de São Miguel, Penedo, Alagoas dentre outros.

Enquanto Zumbi estava no comando do governo palmarino, não houve acordo nem trégua com a Coroa. A luta, no entanto, recrudesceu nos anos de 1693 a 1694.

A Metrópole sabia do poder de Palmares e para destruí-lo não poupou esforços ao organizar um contingente nunca antes visto em toda a história colonial brasileira: 11.000 homens. A frente da expedição estavam Fernando Bernardo Vieira de Melo, Sebastião Dias Mineli e o bandeirante Domingos Jorge Velho, comandante em chefe das tropas.

Palmares preparou-se para a vinda do inimigo. Com a construção de fortificações sólidas, Macacos foi circundada por três cercas de madeira e pedras num raio de cinco quilômetros e meio. Guaritas, no interior da cerca, garantiam a observação das tropas invasoras. Para impedir o avanço das tropas portuguesas, na parte externa das fortificações, escavou-se fossos e lagos camuflados pela vegetação.

O exército invasor construiu, por seu turno, uma contra cerca que acompanhava as fortificações palmarinas com o intuito de proteger-se das investidas quilombolas.

No dia 23 de janeiro de 1694, as tropas de Domingos Jorge Velho marcharam contra Palmares, sendo rechaçadas. Nova tentativa, em 29 do mesmo mês, resultou em perdas enormes.

O Bandeirante paulista pediu reforço ao governo da Província de Pernambuco, sendo prontamente atendido com o envio de homens, alimentos e seis canhões.

A construção de uma contra cerca oblíqua entre as fortificações de Palmares e a já existente contra cerca deu-se na noite de 4 para 5 de fevereiro de 1694. Num ponto onde a fortificação acabava num desfiladeiro, por isso menos guarnecida, os portugueses aproveitaram-se de um descuido da sentinela quilombola e, finalmente, atacaram Macacos. A invasão estava consumada.

A Cerca Real de Macacos - Serra da Barriga - último reduto palmarino, caiu nas mãos inimigas na noite de 6 de fevereiro de 1694. A destruição implacável, com assassinato de centenas de quilombolas que não conseguiram fugir, seguiu-se a notícia do suicídio de Zumbi, fato imediatamente comunicado ao rei português pelo Governador Melo e Castro.

Domingos Jorge Velho, no entanto, estava convencido de que o líder quilombola continuava vivo. Na verdade, Zumbi fugira de Macacos com aproximadamente 2.000 combatentes.

No princípio de 1695, constatou-se que Zumbi estava, de fato, vivo, pois registrou-se sua presença em várias áreas de Palmares, bem como deu-se, por parte do guerreiro palmarino, uma tentativa de invasão a Penedo, em meados do mesmo ano, talvez com o intuito de conseguir munições e armas.

A cabeça de Zumbi estava a prêmio.

Antonio Soares, lugar tente de Zumbi, comandava grupos em incursões pelas vilas e numa dessas incursões foi reconhecido e preso. Considerado homem de confiança do líder negro, foi enviado a Recife, mas no caminho a escolta foi interceptada por André Furtado de Mendonça, chefe de uma coluna paulista. Torturado, Antonio Soares reveleou o esconderijo de seu chefe.

Localizado na Serra Dois Irmãos, próximo a um sumidouro do rio Parnaíba, Zumbi não teve tempo de fugir. Soares aproximou-se e o esfaqueou no abdômen. Mesmo ferido de morte, Zumbi lutou com bravura matando alguns bandeirantes que acorreram para assassiná-lo. Não resistindo a sanha dos inimigos, tombou sem vida no dia 20 de novembro de 1695.

O corpo de Zumbi foi transportado para Porto Calvo. O cadáver contava quinze perfurações a bala, inúmeras de arma branca. Uma das vistas fora arrancada e a mão direita decepada. Banga, guerreiro palmarino e amigo de Zumbi, preso vivo, o senhor de engenho Antonio Pinto, o lavrador Antonio Sousa, além dos escravos Francisco e João foram levados a reconhecer o corpo como de Zumbi.

O bandeirante André Furtado de Mendonça sugeriu a Câmara de Porto Calvo que se decepasse a cabeça do líder negro e a enviasse ao Recife. Lá o governador Melo e Castro mandou içá-la em praça pública até sua completa decomposição.

A morte de Zumbi, aos quarenta anos, não diminuiu a esperança dos negros em busca da tão sonhada liberdade, por isso a data do massacre de seu líder, 20 de novembro, é considerada dia da consciência negra – consciência do homem escravizado que naquela contenda exibia uma superioridade que punha o inimigo alvoroçado, porque nos embates, corpo a corpo, havia um jogo de braços, pernas e troncos, o qual o branco europeu não sabia revidar. Foi então que se espalhou a fama de uma auto defesa de negros chamada capoeiragem.


Fonte: Resumo Histórico da Capoeira, Mestre Traíra (Cícero Pereira da Silva Filho)
 

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